domingo, 30 de agosto de 2009

Pérolas do Rico - A pedra e as palavras

A tarde já se tornava quase escura, na rua estreita, cercada de prédios.

Um barulho estridente soou na esquina. Era a porta traseira que se fechara, depois de despejar um passageiro. Era o ônibus da linha 511 que servia o bairro. Fez a curva, contornando o bar da esquina e seguiu pela rua costeira.

A pedra, como era chamada, era uma mureta que circundava o bairro da Urca, contornando a baía. De um lado o bairro residencial e do outro o oceano, com seus barcos ancorados.

Era ponto de encontro para os que trabalhavam naquela região da cidade. Nas sextas-feiras, fim de tarde, não poderia começar um final de semana, sem o bate papo na pedra, acompanhado de uma boa cerveja. O bar da esquina atendia os clientes. Os freqüentadores já eram conhecidos.

Naquele fim de tarde, uma sexta normal, os funcionários de uma empresa sediada no bairro conversavam entre si. A ordem era não falar de trabalho, mas naquele dia o assunto de serviço tomou conta da roda.

Entre uma cerveja e outra, falavam de setores e pessoas. Fulana foi para tal setor. Beltrano veio do departamento tal. As opiniões eram variadas. Uns falavam bem, outros criticavam.O palco era livre.

Paulo Calazans gritou para o garçom. Não precisava dizer nada. Em seguida chegou a cerveja, vinha de duas. Enquanto serviam nos copos, Binho lascou na roda : - E o Lourival com o Allan, o que vocês acham ? Del Vecchio saltou de pronto : - Acho que é normal. – Eu não acho nada normal, interpelou Calazans, com um ar de quem assoprava a fogueira. – Aquilo não pode ser normal, sentenciou Binho. Já em tom de discurso continuou : É normal deixar a família e ir morar com um colega ?

Del Vecchio tentava fazer o colega raciocinar : - veja só : - se eu, por uma razão ou outra me separar da minha mulher, não posso ir morar contigo Binho, que é meu amigo ? Alberto Bertini, que até então estava quieto não se conteve : - não sei não. – acho que dariam razão para se suspeitar. Calazans, na sua calma, não perdeu a chance : - tem caroço neste angu.

- Mas é claro que tem, saltou Binho. – Então o cara larga a família, no subúrbio, e vai morar com o colega na Barra, na zona dos emergentes, sem motivo algum ? Bertini, já vermelho de tanto rir : - tudo em nome do amor... Del Vecchio protestou : - é muita maldade de vocês.

Quando pediram outra cerveja, chega mais um colega, o João Luiz. A pergunta já vem à queima roupa : e tu João, o que achas do Lourival e do Allan ? – É normal ou tem coisa, completa Calazans. – Acho que tem coisa, veredita João Luiz. Binho não perdoa : - e daí quem é quem ? – Aposto que o Lourival é mais homem.. – Se tiver que apostar em homem, aposto no Lourival.

- Eu acho que é muita maldade, insiste Del Vecchio. – Ah. meu amigo, não vem com este teu lirismo, falou Binho, que ainda completa : - ali alguém afoga o ganso.

Nisso chega Julio César que ficou trabalhando até mais tarde, o presidente lhe chamou.

Dessa vez Calazans tomou a frente : Júlio César, tu que não ouviu nada, o que achas do Lourival e do Allan ? – Alguém é fruta ! Era o que Binho queria. – Eu não falei. Ta na cara. E Calazans completou : - E quem é quem ? Júlio César roeu a unha e lascou : - Acho que o Allan é que agasalha.

Eu também acho, saltou João Luiz. – É muito penduricalho naquele malandro.

Pessoal, eu tenho um compromisso ainda hoje. – Vou ter que ir embora, falou Bertini.

- Vamos dar uma folga para os dois, foi dizendo Calazans. – Vamos falar do Binho e do Del Vecchio, lançou Júlio César. – Acho que até dá samba.

Em meio às risadas chamaram o garçom. O rateio foi feito.Estava na hora de irem embora.. A pedra ainda estava repleta de freqüentadores. O vozerio era alto.As luzes enchiam a noite, os barcos dormiam na baía, o Redentor espiava por entre as folhas dos oiticeiros.

Joelson Machado de Oliveira

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