sábado, 24 de setembro de 2011

Reflexões Tempestivas - por Artur P. dos Santos

GAIOLA DOURADA
P/Artur Pereira dos Santos
O vento era o símbolo da liberdade. Tinha por cerca as árvores, que se inclinavam a sua passagem.
Os aramados, por ele trançados ao longo de seus domínios, serviam aos seus interesses e nunca à prisão de seus ideais.
Nunca houve quem limitasse sua benquerença ou fizesse resvalar pelos caminhos da desonra.
Em algum momento as forças, previsíveis para quem acompanha a evolução da tirânica insegurança, o expulsaram do chão que lhe dera vida, e onde pretendia ser pó no final da existência.
Acolhido entre os iguais, pouco se queixava do desterro forçado pelas circunstâncias. Ás vezes matava a saudade se dirigindo à velha morada e nela deixava rolar algumas lágrimas, que ocultava virando o rosto para que não vissem fraqueza e incapacidade de suportar a condição que a vida lhe impusera.
Com o tempo, o patrimônio que atestava a luta de sua vida tornara-se um peso morto e cada vez mais distante na memória abalada pela saúde. Era preciso desfazer-se e mantê-lo sob outra forma. Não a que ele sonhara para os momentos difíceis, mas a que melhor se apresentasse no contexto das necessidades.
Outras formas de sobrevivência se apresentaram com as mudanças. Algumas lhe remetiam a um aparente e merecido repouso. Entretanto, as marcas profundas da laboriosa existência cobraram seu preço: as pernas, que antes sustentavam o orgulho da espécie, agora se dobravam ao menor esforço e as mãos que trançaram, a seu gosto, o liame da vida, já não possuíam forças para seguirem o corrimão que encimava os poucos degraus que lhe permitiam ver o nascente e o poente desde a porta dos domínios que lhe acenavam.
Recusou-se, então, a ocupar o espaço que lhe ofereciam, embora merecesse repousar o corpo cansado nas melhores almofadas. De que adiantaria viver nelas ou em qualquer céu de liberdade que lhe fosse destinado, se já não possuía a força que o ajudara a domar potros, nem as asas que um dia lhe permitiram voar sobre as canchas retas das recordações.  Preferiu guardar a gaiola dourada no baú das experiências não vividas.
Continuaria a olhar o céu de todas as manhãs e a acenar aos amigos, desde a frente de sua outra morada, sem remoer mágoas, orgulhoso por ter legado aos seus a dignidade com que os homens devem viver.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um 20 de setembro sem comemorações

Este blog não tem cunho político, tampouco eu sou uma pessoa ligada à política, ainda que ela se faça presente em cada canto de nossa história. Mas nesse 20 de setembro quero registrar que não houve comemorações em Santo Antônio da Patrulha, terra onde nasci e ainda hoje resido.
Foi um dia de tristeza para a maioria dos patrulhenses que não se conformam com a decisão tomada na véspera pela Câmara de Vereadores municipal: o aumento do número de cargos. Mas um povo que não vota com virtude acaba por se tornar escravo das suas escolhas.
Transcrevo abaixo as palavras de Silvano Marques, um patrulhense de coração e uma pessoa que muito faz para marcar nossa cidade cada vez mais forte no mapa:
"A cidade amanhece de luto após esta votação escandalosa da Câmara de Vereadores. Digam o que quiserem, mas a população levou um tapa na cara com isso que foi votado. Havia e ainda há uma clara manifestação popular CONTRA o aumento do número de vereadores. Um município pobre, onde buracos são maioria em relação ao asfalto, onde o lixo rola pelas ruas, onde nem todos conseguem atendimento médico...elevar o número de vereadores é um acinte, uma ofensa. Respeito opiniões em contrário, mas em pleno 20 de setembro, que essa "façanha" não sirva de exemplo a toda terra. Abraços."
Aproveito para encerrar a Semana Farroupilha do Insônias sem versos, meu protesto silencioso, enquanto reflito sobre minhas próprias escolhas e nossa responsabilidade pelos representantes que elegemos.
- Cássia Message - 

Pérolas do Rico

MULHER

A areia seca voava praia afora, tocada pelo minuano gelado.
Perto dali, na Vila da Barra, Catarina era consolada pelos vizinhos. O filho que tinha ido pescar, em alto mar, era para ter voltado e, com aquele tempo raivoso, ainda não aparecera na entrada da barra.
Já havia comentários entre os pescadores que o “São Tomé II”, barco dos pescadores da Vila, estava desaparecido, pois as outras embarcações que andavam junto já haviam retornado. A Capitania tinha ouvido chamados que, depois, sumiram.
As filhas de Catarina, irmãs de Daniel, tentavam acalmar a mãe, missão quase impossível para aquela mulher desesperada. – Estou com pressentimento ruim, era só o que ela falava. – Não é nada mãe. – Daqui a pouco o barco vai aparecer. – Deixa o mar acalmar, falou a filha mais velha.
Passaram-se horas naquela aflição, sem notícias. A noite abocanhou o oceano. Tudo escureceu. Foi uma noite insone na Vila. Os comentários fizeram serão.
No dia seguinte, mal amanheceu, a falação corria por todas as ruelas do aglomerado praiano.
Por volta do meio dia veio a trágica notícia: o São Tomé II havia afundado em alto mar. Foram vistos destroços por um navio cargueiro que fazia aquela rota. A Capitania passou a notícia para os pescadores.
Dias se passaram. Buscas foram feitas por vários barcos da região. Nenhum sinal de sobreviventes.
Semanas se foram sem nenhuma notícia dos tripulantes.
Catarina, na sua procissão de mãe, ia todos os dias na beira da praia, pela manhã e ao fim da tarde. Era uma fé inútil, somente alimentada pelo amor de uma mãe que alagava, ainda mais, a beira da praia, com as lágrimas sensíveis de mulher.

Joelson Machado de Oliveira

domingo, 18 de setembro de 2011

Auto-ajude-se com boa leitura - especial Semana Farroupilha (3)

Pealo de Sangue
(Raul Ellwanger)

Que mistérios trago no peito
Que tristezas trago comigo
Se meu sangue é colono, é gaúcho
Lá no pampa é que encontro abrigo
O cheirinho da chuva na mata
Me peala, me puxa prá lá.
Quero só um pedaço de terra
Um ranchinho de santa-fé.
Milho-verde, feijão, laranjeira
Lambari cutucando o pé
Noite alta o luzeiro alumiando
Um gaúcho sonhando de pé.
Quando será
Este meu sonho?
Sei que um dia será novo dia
Porém não cairá lá do céu
Quem viver saberá que é possível
Quem lutar ganhará seu quinhão.
Venho Rio Grande!
Velho Guaíba!
Sei que um dia será novo dia
Brotando em teu coração
Quem viver saberá que é possível
Quem lutar ganhará seu quinhão.

Só mais um tropeço

Herança


Lembro do meu pai quando escuto
Cair um pingo d'água
da torneira fechada.
Ele gostava desse som contínuo;
lhe embalava o sono.
Talvez tenha ficado velho ainda moço,
Por causa desses gostares estranhos
à minha compreensão.
Não sei se ele dormia,
Ou se apenas fechava os olhos
para diferenciar
O som dos pingos
e a programação da Tv ligada
pelas noites a dentro.
Hoje, enquanto a torneira pinga
e me perco em lembranças,
Envelheço um pouco mais do que a idade
Alheia à herança que carrego comigo
e teimo em não aceitar. 


(perdi o sono na madrugada da noite que descrevi essa 'herança', e os meus sonhos foram novamente embalados pelos ponteiros do relógio - tic tac tic tac.                            
                                   - Cássia Message -

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sonhadora - por Suely Braga

Auto-ajude-se com boa leitura - especial Semana Farroupilha (2)

É aqui junto ao chapéu
(Ângelo Franco)


É aqui junto ao chapéu...
É aqui junto ao chapéu que se carrega o pensar,
Que se analisa o sentir e os rumos pra se tranquear.
Aqui se esconde o sentido de tudo que um homem faz
E se define a vergonha que a cara pode estampar.
Eu aprendi muito cedo mateando com o meu avô
Que o homem agente conhece no rastro que ele deixou,
Que a história não perde nada e um dia o que se passou 
Vem revelar a consciência que o sujeito carregou.
O mundo tem olhos grandes não deixa nada passar
Enxerga o que agente planta e o que deixa de plantar.
Um dia o fruto da alma de cada um vai vingar
Trazendo gosto à garganta conforme Deus ordenar.
Eu sei que o povo gaúcho conhece a história que tem
E que o rio grande começa em cada homem de bem,
Cada consciência é um caminho que pode ou não ir além
E só cuida pra aonde vai quem respeita de onde vem.
É aqui junto ao chapéu no nosso eu mais profundo
Que reside a diferença entre o seco e o fecundo
Existe larga distância entre o primeiro e o segundo
Entre os que mancham a história e os que constroem o mundo.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Cotidiano - por Rosalva Rocha

Alienação as vezes faz bem ...
(por Rosalva Rocha – 07/09/2011)

07 de setembro. Feriado. Dia de sol. Acordei tarde. Coloquei várias tarefas em dia em casa, a exemplo dos inúmeros papéis que costumo deixar jogados por todos os cantos, como se fizessem parte da minha vida. Alguns até fazem e, para estes, dou sempre um destino muito carinhoso. Mas a maioria, depois de um tempo, não tem mais valor algum e acabam ocupando um espaço desnecessário. Muitos deles lembrando compromissos e encontros que não valeram absolutamente nada a pena.
Sem barulho em função do feriado, somente liguei o rádio ao acordar para verificar a temperatura. Desliguei-o e fiquei no meu mundo - eu e o meu silêncio. No fundo somente algumas músicas rodando bem baixinhas. Músicas lindas que tem um significado muito especial prá mim.
Meu dia acabou se passando com uma profusão de atividades: escrever, ler um pouco, limpar algumas coisas, organizá-las, estudar, trabalhar em conteúdos de cursos, postar tarefas, ler alguns sites, pensar nas coisas boas que andam acontecendo e, sem tempo, “levitar” em 95 m2. Tudo feito exatamente na hora em que o coração mandou ... sem relógio, sem cobrança. Que coisa estranha! Isto é possível sim, mesmo para uma pessoa como eu - ativa e “antenada” com as coisas da vida.
Lembrei-me de que não ligo a TV há 3 semanas, a não ser o dispositivo do “sleep” por 15 minutos para incitar-me ao sono. E tenho dormido muito bem.
Alienei-me do mundo e dos seus problemas econômicos e sociais por todo esse tempo e não sinto falta de nada. Cansei de sensacionalismos e quedas na bolsa. Cansei de ouvir falar que a Europa vai explodir. Cansei da palavra Nasdaq. Cansei das histórias tristes no aspecto social em nível mundial que, por mais que sejam divulgadas, não há providência alguma.
Tenho dado-me o direito de reinar no meu universo do jeito que gosto. Nesses tempos sou rainha!
No final da tarde um cafezinho gostoso com uma amiga e algumas risadas, em um lugar muito aconchegante, coroou este feriado que, para ser bem franca, neste momento nem sei a que se refere.

Tambo do Bando

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Auto-ajude-se com boa leitura - especial Semana Farroupilha

Pilchas
(Luiz Coronel)

Não pensem que são pirilampos
essas estrelas lá fora.
É a lua clara dos campos
refletida nas esporas.

Se uso vincha na testa
é pra ver o mundo mais claro.
Não vendo o mundo por frestas
lhe posso fazer reparos.

Sem cinturão nem guaiaca
me sinto quase em pêlo.
Quando meu laço desata
sou carretel de novelo.

Da bodega levo um trago
para matar a minha sede.
Meu chapéu de aba quebrada
beija-santo-de-parede.

Atirei as boleadeiras
contra a noite que surgia.
Noite a dentro entre as estrelas
se tornaram três-marias.

fonte: www.paginadogaucho.com.br

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Reflexões Tempestivas - por Artur P. dos Santos

HOJE FOI PARA TI

P/Artur Pereira dos Santos

Sei, sei que não me deixarias falar assim contigo, exigirias que te chamasse de senhor. Lembro bem do dia em que me fizeste pedir desculpas à Generosa, nossa vizinha, por ter-me dirigido a ela chamando de tu. Mas os dias são outros, meu velho.
A força do hábito: teus netos e bisnetos me chamando de tu “numa boa” não desmerecem o respeito que têm por mim e certamente teriam por ti. Mas fique tranqüilo, eu ainda sigo ao pé da letra teus ensinamentos.
Lembras que dizias que o homem deve fazer o bem sem olhar a quem? Pois é, não sei se influenciado pelo que o padre falou, ofereci o pão que havia recebido a um suposto mendigo que entrou na igreja no final da missa.
Não me importei por não tê-lo aceitado por não estar acompanhado de algo que o ajudasse a digerir, pois sei que sua fome não era apenas de pão. Dei-lhe algumas moedas e ele seguiu seu caminho.
Mas como estava dizendo, o padre me fez pensar se eu realmente tinha feito tudo o que podia por ti. Sinceramente não sei, eram tantas as dificuldades, minhas e tuas. De uma coisa tenho certeza: te amei muito.
Lembras que antes de ir para o exército te ajudei a comprar uma carreta de quatro rodas para trazeres mantimentos da colônia e vender na cidade? Não pensava que quando voltasse da capital houvesse passado um vendaval em nossas vidas, devido a morte da mãe.
Custei a juntar-te em minha casa, meu lar recém formado, quando a doença já começava a te castigar. O homem forte, o tropeiro na mocidade ou o colono de sol a sol já não existia mais em ti. Guardavas apenas o sangue aflorando em teu rosto avermelhado, marca registrada, ainda hoje reconhecida, dos que descenderam de teus pais.
Pois hoje lembrei muito de ti, talvez pela lembrança deste detalhe, que te distinguia dos demais, quando soube que teu bisneto de cinco anos disse que a saudade tem cor de pele.

sábado, 10 de setembro de 2011

Rosalva Rocha premiada no Concurso Literário Apolinário Porto Alegre

Buenas, amigos insones!
Rosalva Rocha, escritora colaboradora do nosso blog (Cotidiano), recebeu agora a notícia de sua premiação como 2ª vencedora do Concurso Literário Apolinário Porto Alegre.
O concurso foi idealizado por Benedito Saldanha em 2011, com apoio institucional da Academia de Letras de Porto Alegre e parceria com a Sociedade Partenon Literário.
A premiação será no dia 21 de setembro, às 19h, no Plenário Ana Terra da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, e a poesia que segue é a obra premiada:


Porto Alegre
(por Rosalva Rocha – 08/06/2011)

Aqui resido
Faço abrigo
Aninho meus desejos mais profundos
Canto – danço – flano
Não me sinto em abandono
Caminho pelas ruas
Curto o rio
O mercado público
A redenção
Com a maior paixão
Admiro o por do sol
E por longos momentos 
Caio em tentação
Abandono meus pesares
Jogo pensamentos aos ares
Nesta cidade sou feliz
Pareço menina com sua boneca
Segurando-a pelas tranças
Chutando pedregulhos na calçada
Sentindo-se abençoada

Parabéns amiga! Sucesso sempre!
- Cássia -

domingo, 4 de setembro de 2011

Os sinos sentirão Saudade


Quase que diariamente, Seu Cândido, o nosso Candinho, comparecia na Igreja para alguma tarefa: fechar uma janela, abrir uma porta, apagar uma luz, varrer embaixo da figueira, cuidar dos espetos, colocar o lixo na rua.
Tinha, também outras coisas: uma vistoria na horta, a limpeza de uma muda que plantara, uma varredura no salão ou ainda, um simples bate papo com os padres ou funcionários.
Nos finais de semana, seu catecismo era chegar na Paróquia uma hora antes da missa, pois sempre dizia: gosto de chegar cedo para abrir a Igreja e tocar o sino, como se fosse o maestro preferido da orquestra de ferro.
Pelas ruas da cidade alta era diário o seu caminhar. Um papo aqui, uma paradinha ali, como se da sua casa até a Igreja, tudo fizesse parte do seu patrimônio, como vereda da sua vida.
A constante visita aos adoentados da cidade era um capítulo da sua religião. Todos tinham que receber o seu conforto.
Nós, moradores da cidade alta, vileiros como somos chamados, sentiremos saudade do Candinho. Não veremos mais o seu caminhar vagaroso pelas ruas da velha vila. Não presenciaremos mais sua descida mansa e calma pela Pinheiro Machado, rumo à sua casa. Os sinos sentirão saudade. A melodia da torre da Matriz ficará mais triste.
Candinho se foi.

Joelson Machado de Oliveira 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Pérolas do Rico


A ILHA

Sempre foi, em todos os tempos, associado este acidente geográfico com a beleza, a fantasia, o esplendor.
Desde os tenros anos escolares, estudávamos a Ilha de Marajó com a sua agricultura e seus búfalos. Transportando-nos para outro
Continente, as Ilhas Gregas, enfeitam o azul-marinho do Mar Egeu. Aqui, mais perto de nós, temos a Ilha de Florianópolis, com a sua linda ponte, belas praias e o Mercado Público ancorado, com seus bares, com as comidas de dar água na boca e seus camarões deliciosos. Já, lá em cima, a Ilha de São Luiz, embalada pelo ritmo do Reggae e seus azulejos coloridos, enfeitando os casarões.
Não podemos esquecer a Ilha de Paquetá, como atração turística e as lembranças das orgias de Luz Del Fuego, nem da Ilha de Itaparica com seus gramados cheios de coqueiros, praias de águas mornas e os bangalôs do Club Med.
A ilha sempre foi um cenário apropriado para belos livros e grandes filmes e, até quando retrata a tristeza, ela se torna importante, como em Ilha das Flores, do nosso Jorge Furtado.
Agora aparece a Ilha do Sarney, com casa de 100 cômodos, num verdadeiro deboche ao povo brasileiro. Será que não basta o prejuízo e o descaso que ele já nos causou e agora vem querer denegrir até a geografia do Universo?

Joelson Machado de Oliveira