“Cante a sua aldeia e serás universal”
Leon Tolstoi
Ano passado, estávamos em um festival na região das missões do estado, precisamente na cidade de Santiago do boqueirão, que já foi um dos maiores festivais do Rio Grande do Sul, sendo agraciado no final da década de 90 com o troféu Vitória pelo governo do estado, festival esse que tive a oportunidade de participar por três vezes, vencendo a linha mais popular com a música “Num trancão de acordá os galos”, letra minha em parceria com Fernando Soares, música de Juliano Moreno, ambos compositores de Sant’ana do Livramento. Encontrávamo-nos em um restaurante almoçando, quando me foi ofertado o cd de um artista local, de renome no meio musical nativista e que estava tocando no restaurante do parque de eventos. Após o rapaz se retirar da mesa, o artista quando completou sua interpretação nos reconheceu e, prontamente agradeceu nossa presença e aquisição (colegas músicos e compositores invariavelmente o fazem).
No retorno de Santiago/Pelotas, ao longo de cerca 700km, entre um mate e outro (aqui na minha região o chimarrão, chamamos de mate), e loucos pra chegar nas casas, onde pretendíamos ainda assistir ao show de Victor e Léo, conversávamos sobre vários assuntos quando resolvemos escutar o cd adquirido no dia anterior; entre as 16 canções que compunham o exemplar: “Um mate por ti”, de Aparício Silva Rillo, Vinícius Brum e Beto Bollo, um clássico gaúcho, e, as demais não conhecíamos por nome, músicas de artistas da região, que embora conhecidos por todos nós, as distintas obras ainda não eram.
Após ouvirmos os trabalhos, nos paramos a debater entre vários temas, o estilo musical, arranjos, instrumentos utilizados, dinâmica, compasso, pegada, o porquê das diferenças entre as composições de uma região e outra, os gostos distintos, etc.
Eu me criei escutando Zitarrosa, Larralde, Olimareños, Mercedes Sosa, Noel Guarany, etc., não sei o que os outros escutavam, mas creio que pela distância/influência cultural sejam, Almir Satter, Sérgio Reis, Renato Teixeira, para ficar nos quais admiro, mas enfim... vale salientar que a nossa formação influiu muito no que compomos hoje, os estilos, os instrumentos, etc... Infinidade de coisas que não teria como enunciar, mas o básico que norteou a conversa foi a diversidade... a diversidade musical, mesmo dentro de um estado dito fechado existe, mesmo onde se canta o hino rio-grandense até sem saber o hino nacional (imaginem/observem a cena de um forasteiro ouvindo cantarmos nosso hino a plenos pulmões... é indescritível).
Hoje chegando da Moenda, após 500 km de volta, amigos, ambiente fantástico, saudade, cansaço, me detive para escrever esse texto para este blog que me convidaram mas, nem sei bem o que esperam de mim, foi só um convite... para mim, um grande convite... Pois bem, aqui estamos, sem a pretensão de mudar, mas de contribuir, pensando na Moenda, festival que estou conhecendo desde 2008, e me vieram essas idéias, um festival que lida com essas diferenças de gostos, com essas variações temáticas, a tão sonhada e aclamada diversidade.
Santo Antônio da Patrulha tem a proposta de ser o festival diferente, e como diferente, seu público deve respeitar as diferenças com igualdade, mas as desigualdades compõem o regulamento onde consta que, artistas de fora do estado têm ajuda de custo maior. Será que eles são melhores para receber mais (essa é uma polêmica e ponto de uma outra dissertação)? Já sugeri a um colega mineiro residente no RS, que mande suas músicas representando seu estado natal, é mais vantajoso... sotaque mineiro, viola bem caipira, etc... mas não é o caso...
Chegando nas casas e lendo textos do blog e analisando as próprias impressões obtidas na Moenda, entre conversas com conhecidos e murmúrios que se ouve, concluo que Santo Antônio precisa, não só olhar pra cima, RJ, SP, MG, PE... mas também para o lado, para um Rio Grande parecido, pujante, que grita, chora, ouve, entende e empurra a bico de bota, peito de cavalo e ganido de cachorro este estado pra frente como sempre o fez, de diversas origens, mas trilhando rumos em comum; com uma musicalidade intensa porém diversa e, isso a Moenda e Santo Antônio da Patrulha parece que tem; tem a capacidade de absorver todas essas influências poéticas musicais, então não custa observar ao lado, nem tudo que vem lá de cima tem qualidade, nossos músicos provam isso: Samuel Costa, Elias Resende, Yamandú Costa, Luciano Maia, Renato Borghetti, Edilberto Bérgamo, Gabriel Pelizzaro, Luis Carlos Borges, Marcelo Caminha, entre outros, tem tanta ou mais qualidade, são protagonistas ou requisitados pelos mais famosos cantores do centro do País... por quê?
O Rio Grande do Sul tem expoentes, poetas e músicos, que até mesmo o próprio Rio Grande ainda tem dificuldade de conhecer: Marcelo Oliveira, Juliano Gomes, Guilherme Collares, Leonel Gomez, Fabiano Bacchieri, Cristiano Quevedo (8 discos e 15 anos de carreira e por aí, recém estão conhecendo), Eduardo Muñoz, Fernando Soares, Martin César Gonçalves, Raineri Spohr, sem falar em outros tantos da minha geração.
Já viemos observar a Moenda, conhecê-la, respeitando-a, agora convidamos a família moendeira, o povo patrulhense; e como já cantou em versos o poeta de Bagé, Lisandro Amaral:
“Escute a voz escondida que mora além da paisagem
Perceba, além desta imagem
que te oferece o silêncio”
(3º Aldeia do MERCOSUL, festival de Gravataí)
É logo ali, à margem direita do Guaíba, depois da ponte, a Moenda deveria olhar pra os lados, mas de frente, não de solslaio, mirando longe... ou, nem tanto...
Christian Davesac
Rincão das Corticeiras, Pelotas, RS
23 de agosto de 2010
Belo trabalho. Parabéns!
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