segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Memórias da Pinheiro por Rosalva Rocha

O Seu Nico e o Jogo do Bicho

(por Rosalva Rocha – 09/08/10)



Tudo na nossa cidade tem uma relação, e isto é sempre muito prazeroso.

Este espaço reservei para o Seu Nico, justamente o sogro de uma pessoa que amo demais, que ajudou a criar-me e que, sem dúvida, ainda é considerada a minha segunda-mãe: a Marieta.

A Marieta é casada com o Jadir, filho do Seu Nico e da Dona Cantilha (ambos falecidos).

Mas por que falar no Seu Nico? Porque ele sempre foi, para mim, “uma sombra”. Sim! Uma sombra! Nunca ouvi a sua voz e, por outro lado, jamais esquecerei o seu casaco preto que vestia no inverno quando passava na minha casa para fazer o “jogo do bicho” para a minha mãe.

Muito embora ela não goste que eu comente (perdoe-me mãe!), ela sempre adorou uma “fezinha” e, nesse sentido, sempre foi contrariada pelo meu pai.

Então, o que ela fazia?

Muito amiga do Seu Nico, combinava com ele para passar na minha casa após a saída do meu pai para o trabalho. E, como a casa não tinha grades, frequentemente eu, geralmente andando pela sala de jantar, avistava a “sombra” passar através da janela.

Na área dos fundos o jogo era feito e, após, geralmente a minha mãe oferecia um cafezinho a ele, que saia sem falar absolutamente nada. Eu diria que era uma relação de cumplicidade muito maior do que muitas das que vemos por aí atualmente.

A minha mãe gostava realmente do Seu Nico e ele, mesmo com medo do meu pai, nunca deixou-a de fora dos jogos. Era fiel e britânico!

Lembro-me de algumas palavras proferidas pela mãe quando ele chegava: “do 1º. ao 5º. Seu Nico! Agora a dezena! Isto, pode repetir o último jogo!”. E ele apontava à lápis em um caderninho bem pequeno com folhas brancas. Era mais ou menos assim ... Mas não me lembro de ele responder coisa alguma. Era um homem sereno e certamente já sabia que a “era do relacionamento com o cliente” estava por chegar. Muito sábio!

O mais engraçado de tudo era quando ele chegava e o meu pai ainda estava em casa. Ele entrava pelo corredor ao lado da casa e ficava paradinho na área dos fundos, esperando que o “dono da casa” saísse. E não era preciso falar nada. Ele entendia perfeitamente. E, nesse período de tempo, minha mãe fazia de tudo para “despachar” o marido de casa. Sim! Como poderia ela ficar sem fazer o seu joguinho?

Anos e anos se passaram e o Seu Nico nunca falou nada. O silêncio era seu cúmplice, além da minha mãe obviamente!

Ah ... alguma dúvida se o meu pai sabia? É claro que sabia! Mas fazia de conta que não! Simples! Assim como fez por anos, durante o tempo em que a mãe fumava escondida dele e, da sua carteira de dinheiro, todos os dias, “voava”, como em um passe de mágica, justamente o valor de uma carteira de cigarros, que era escondida dentro de uma grande panela na cozinha. Coisas da Dona Nita!

E depois me venham falar que o meu pai não foi um bom marido! Ah ... Me poupem!

E, há umas duas semanas atrás, estava eu tomando um chazinho com a mãe e ela me disse: “vontade de jogar a placa do teu carro no bicho”.

E eu questionei: “Com o Seu Nico mãe?”.

Ela sorriu e logo após ficou pensativa ... Certamente com saudades do seu velho amigo.

Um comentário:

  1. Rosalva querida!

    Cheguei a imaginar o 'Seu' Nico passando pela janela e tua mãe querendo jogar a placa do teu carro... A partir do mês que vem começarei a ir a POA regularmente.Quem sabe não nos encontramos e tomamos aquele café? Beijão Marília - São Leopoldo

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