IVONE SELISTRE: FRAGMENTOS POÉTICOS E FILOSÓFICOS
Sem dúvida ninguém ficou por demais surpresos ante o novo livro de poesias Fragmentos de Ivone Selistre, pois, juntamente com Regina Barcellos e outros escritores, ela é sabidamente uma das expressões máximas da cultura em nossa terra, em pleno domínio do fazer poético e das artes literárias. Mas, de qualquer maneira, mesmo sendo todos nós conhecedores da capacidade artística da autora, ela soube usar artifícios que vieram a surpreender evidentemente a nós, seus leitores, pela originalidade sutil de apresentar os temas, embutindo pensamentos filosóficos em suas figuras poéticas, em forma de fragmentos.
Muito bem colocado o título, pois, como poesia é sugestão, além dos comentários filosóficos, volta e meia surpreende o leitor com um poema isolado, curto, tal uma ilha paradisíaca, a se destacar entre os demais, com uma figura original e ímpar.
Talvez o tema mais destacado seja a maturidade, a velhice, mas, mesmo sendo uma discussão inócua, sabemos quão importante é chegar aos 85 anos, pois, quem festeja esta idade, garantidamente chegou lá. E, com isso, tem a realização de apresentar uma obra com um condimento de ternura, com orelhas escritas por netos, poemas de filhos, poema de amiga, apresentação da irmã, também poetisa renomada. Iolanda Rosa declara: “Porém, hoje, realizas o grande sonho de tua vida, há muito por ti alimentado, lanças um livro em parceria com filhos e netos”.
A autora dedica: “À minha grande e querida Família, razão do meu viver”.
O primeiro poema Retrato: Dos sonhos sonhados, / ou não realizados, / seu olhar confirma / que foi feliz”.
O segundo, dedicado à tia Francisca Villa Verde Carvalho e Toninho Selistre escreve Lendo nos olhos de minha mãe, onde declara: nunca conheci minha vó materna.
Outro detalhe que a autora gravou em bronze eterno em sua obra é a saudade de nossa antiga Vila de Santo Antônio. O poema, Vila de Santo Antônio, além de antológico e obrigatório em qualquer estudo que mencione Ivone Selistre, vale como um hino, uma apoteose à nossa cidade. Não se trata de um poema novo, já citado duas vezes em Poesia na Praça, no meu trabalho sobre os escritores patrulhenses, e acredito que em mais lugares: [...] velhas casas são madonas / frente a ruas, / debruçadas. [...] No rastejar sinuoso / das serpentes de cimento / tradições / são epitáfios, / gravados no esquecimento. [...] Onde o silêncio de frades / na penumbra das capelas? / [...] guarda o tamanco, / o recato, / a almofada da janela, / a tradição, / o seu santo, / na alcova da donzela; [...] Rosário, / de fio precioso, / circundando a velha Igreja / o casario, reverente, / que se curva dia a dia, / murmura silente prece / ao soar da Ave-Maria.
Segue um soneto Minha “Villa”, com retorno ao tema: Dos beirais do tempo, a saudade tece / entrelaçadas teias de lembranças, / [...] Sonolentas horas, à mercê dos anos, / vão dizimando, um a um, seus decanos, / gerando solidão e despedida.
Em retrospecção volta ao tema da velhice, sem esquecer a Vila: A embalar-se / na cadeira acolchoada de lembranças, / a anciã contempla a noite sem lua. [...] Do campo-santo, ao alto da colina, / vivo clarão, súbito, ilumina, / por inteiro, da Vila, os casarões, / onde afetos se desvaneceram / e o tempo afugentou as emoções [...]. Em Procissões: Habita em mim um templo centenário [...] O sino do templo, com mudos clamores, / traz pelas ruas imagens sobre andores / à procura do que não existe mais. Cofre do Tempo: Tanta saudade / de meninice / acumulada / no rol da velhice. [...] Quantas lembranças / - fiapos de vida – / no cofre do tempo / co’a chave perdida. Veredas: Saudade dobrou esquina / ao encontro da solidão [...] Tempo: Tão invisível, / sempre estiveste / vivendo comigo, / dia após dia [...] me lapidavas / e eu não sabia. // Mas vejo agora / em ti refletida, / a minha imagem / envelhecida. Velhice: Cresce em minhas entranhas / algo que não gerei / e, feroz, [...] limita os meus poderes, / me faz tropeçar na vida [...] Devaneio: Oh! Primavera, / por que não colores / as marcas do meu inverno? Desesperança: Inclino-me na vida / para colher os cacos / que dela fiz. Maturidade: Despe-se a natureza, / em letárgico sono, / para dourar a vida /com as folhas de outono. Relógio (de Toninho Selistre): A cada canto me fitas / em censura sagrada, / avalias a minha vida / na tua clausura lacrada. [...] Mede o tempo / a destempo da vida, / que não seja na morte / tua última batida. Não sei... Não sei... (resposta da autora): Em que instante perdi / a graça de ser criança, [...] o encanto da inocência, [...] o meu dom de ser poeta [...] Não sei, não sei... / Só o tempo, / na precisão do relógio, [...] – quando ao destino das horas, / os anjos disserem amém. À amiga de infância (de Maria Aparecida Selistre): Há muito tempo não te escrevo, / ficaram velhas as notícias / e assim como elas / eu também envelheci. // Mas ficaram no tempo as lembranças / daquelas duas crianças [...] Hoje me ponho a escrever. / Numa busca alucinada / procuro a criança amada / que no tempo eu perdi. Alma peregrina: Trazendo nas sandálias / o pó do caminho, / adentra a catedral do tempo / sem jamais ter feito ninho. [...] Arrastando cansaços / em arabescos do ladrilho, / pensa santos mutilados / com o manto maltrapilho. Alto preço: Pago à velhice, / tributo por ter sido jovem. Tédio: [...] e enfrenta o mesmo todo dia, / sem pensar o dia todo / que / assim / será / amanhã. Mistério doloroso: Sonhando, escuto, como num lamento, / vozes de anjos [...] entoam réquiem à minha poesia. // Impotente, de andar, cansado, / entrego, ao Senhor, o meu cajado. Companheiro maravilhoso (resposta de Geny Sardenberg): [...] com Jesus ao lado [...] encurto distâncias apoiada em seus braços. [...] Impotente, para andar isolado, / entrego ao bom Deus o meu cuidado. Ângelus: [...] o bronze faz soar o sino [...] ao fim do dia [...] a despedir-se da poesia, / vê o poeta, no ocaso, o destino / do próprio fim que principia. [...] Desrazão: [...] Morte... poço de mistério / na vala do cemitério / onde cala o coração aflito / e se desfaz o eco do meu grito. [...] Funeral: Sem marca / ou cansaço / seis alças de aço / preenchem espaço / em distância vazia [...] de quem já se foi [...] Divagando: Nesta tarde de verão, / quase finda [...] na pouca estrada / a ser percorrida. Ecos do silêncio da morte: A noite vela versos semimortos [...] Do poeta, a lavra, nunca esquecida, / transpõe o tempo, pois que há tanta vida, / tanta, nos ecos do silêncio da morte. Poema da madrugada: Meus passos levam-me ao nada, / vazio está meu olhar, / tão longa a vida passada / – pouco chão a palmilhar. – O mar e eu: Ouço, em silêncio, / o bramido do mar / em dueto com o meu lamento. [...] Diversidade: longos são os passos / que levam à eternidade, / embora ela nos alcance num instante. Predestinação: Um ataúde / fecha a sete chaves / meu destino. Peso pesado: Incomoda-me / esta exigente / perecível carcaça. Desgaste: O tempo escorre / pelas sarjetas da vida [...] Finitude: Deixando na bagagem, [...] as coisa que fiz / ou que desfiz, / entro no tempo [...] Nesse túnel que se estreita com a idade, [...] firo-me em cacos de saudade / ante imagens frias e cinzentas [...]
Dentre os poemas intercalados: Visão: Branca nuvem – / candelabro aceso num raio de sol. Solidariedade: Solícita, / a tristeza / sorve minhas lágrimas. Laços de ternura (Nossos filhos): [...] preciosos favos dourados, / docemente burilados, / lambuzam a vida de mel. [...]. Natura: [...] peço ao homem, / (sob esse céu estranho) / que viva / para o fim que foi criado. Decrepitude: O côncavo espelho do meu íntimo, / reflete imagem de estranha mulher. Crepúsculo: Súbito, o anoitecer / apaga a paisagem do dia. Descaso: Na corola do meu coração [...] Vivendo: De carona com a felicidade [...] Do passado: Da catacumba onde mora o tempo [...] Do presente...: Cada momento, / desfiando presente, / tece passado. Sol no horizonte: [...] onde o sol desaparece, [...] até que a noite, aos poucos, escurece / para acender estrelas apagadas [...] Sensações: No caminho / pedras indormidas / ásperas pedras / ferem o andar [...] Passarela: A aurora vestindo conchas, / com cheiro de maresia, / no mar, esteira de prata / para o desfile do dia. Alma: Revestindo-se de imortalidade, / alcança o infinito. Desalento: Em vão, tento consertar / pontos malfeitos do destino. Desordem: Nas gavetas do tempo / guardo recordações / que se perdem. Incógnita: Terá fundo / o abismo profundo / que é o mundo? Violeta (À prima Laura Villa Verde): [...] Apenas quem é sensível, / vê o que tem de visível / no mistério desta flor. [...] Sílvia Rosa da Rocha (À querida afilhada Sílvia): [...] Delicada “Rosa” de essência pura [...] Tendo de “ROCHA” a fé como legado (trocadilhos). Feitiço da lua (Lagoa dos Barros – lenda): O clarão da lua cheia / sobre as águas da lagoa / desperta mulher-sereia [...] Realização: Este rio instável [...] incógnito, / segreda às conchas, / o sonho de ali chegar. A quem amo: Lembra-te de mim / ante a natureza [...] Lembra-te de mim / ante a grandeza [...] Lembra-te de mim / numa criança, [...] na alegria, [...] na tristeza [...] Lembra-te de mim...
Além destes fragmentos, muito mais poderia ser citado, não esquecendo a moldura do livro nos textos de Thomas Selistre e Marcela Selistre Oliveira, nas orelhas.
Parabéns a nossa ilustre confreira Ivone Selistre por obra tão bela e que obriga o leitor a pensar.
LUIZ NICANOR
Sr. Revisteiro! Não imaginas a alegria em te ver aquí. Realmente a tua ausência era sentida. Sejas bem-vindo! O Insônias faz um bem enorme prá alma da gente ... e agora vou aprender mais um pouquinho contigo ... Grande beijo. Avante!
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