Numa folha quase em branco...
“A folha em branco trazia apenas a marca de uma lágrima. O poeta partiu em silêncio.”
Enquanto refletia sobre esta frase, que ela considerava boa, afinal, olhava o cursor piscando na tela.
Há dias não escrevia nada que considerasse sequer aproveitável. Seus últimos textos eram dignos de pena.
Hoje, especialmente, escrevera esta frase pensando numa escritora falecida há pouco. Nos seus belos textos, nas homenagens que recebeu, no importante papel que teve na comunidade literária da cidade. Será que um dia chegaria ao menos perto destes feitos?
O cursor ainda piscava, logo após as aspas. Teclou enter. Uma nova linha. O salvamento automático. E ela voltou a observar o cursor.
Aquele cursor que ela sonhava ver correndo pelas páginas enquanto ouvia o som das teclas sob seus dedos. Mas era tudo silêncio, exceto pelo cooler, que funcionava alucinadamente a despeito de sua pouca inspiração.
De repente, a tela se apagou. Acabou a bateria do notebook. E agora? Sua frase tão significativa estava salva mas, e se a continuação do seu primeiro sonhado romance viesse enquanto corria à procura do cabo de força para religar o computador? Seria esse o seu destino? Desperdiçar suas melhores palavras caminhando pela casa?
Lembrou-se que muitas vezes já havia perdido bons textos porque estava no banho e, assim que desligava o chuveiro, as frases escorriam como a água pelo ralo. E se sua oportunidade já tivesse passado?
Certa vez um amigo lhe disse: - você escreve bem, já pensou em escrever um romance? E aquilo ficou piscando na sua memória, maldita memória, como o cursor. Piscando sempre, sem se mover.
Não encontrava o cabo de força. Como uma pessoa sozinha numa casa pequena perde com tanta facilidade as coisas? Papel e caneta, nem pensar. Só havia, sobre a mesa, contas por pagar e uma receita médica.
Voltou a pensar na escritora. Sua conterrânea, quase vizinha, ali tão perto. Será que tinha passado pelos mesmos apertos na hora de colocar suas idéias no papel?
Não. Claro que não. Os bons escritores devem ser organizados, ao menos com papel e caneta, ou com bateria de computador. Não devem andar por aí desperdiçando palavras atrás de equipamentos eletrônicos.
Encontrou o cabo e tornou a ligar o notebook, e rapidamente recuperou o texto. Texto? Aquela frase: “a folha blá blá blá...”. E o cursor, sempre piscando. Certamente não seria hoje o dia em que começaria o texto que marcaria sua existência.
Queria escrever ao menos uma homenagem, uma declaração singela para dizer que sim, que se importava. Guardava, afinal, admiração em seu silêncio. Queria seguir os passos da escritora. Mas como?
De repente, percebeu que a página em branco falava por si. Sua autobiografia. Sem lágrimas. Havia muito a aprender.
- Cássia Message -
Perfeito e providencial texto. Mas será q os bons escritores são tão organizados assim? Tenho dúvidas! Penso q o importante mesmo é escrever, mesmo q algumas frases escorram como água pelo ralo. Um dia elas retornam ... Não sei qdo, mas retornam. Até pq quem gosta de escrever tira do nada muitas vezes o tudo. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, querida.
ResponderExcluirÉ, talvez não sejam tão organizados.. Mas eu...
Torço para que estejas certa, e as frases nos dêem mesmo uma segunda chance...
Tenho certeza que a hora chegou. Vá em frente
ResponderExcluirUma hora ou outra, um de nossos tantos textos acaba por nos revelar para o mundo. Então, este é o momento mais delicado, pois o próximo texto já nasce condenado pelo crivo dos outros, que passam a nos ler e a exigir o nosso melhor... E o nosso melhor nem sempre é suficiente para os críticos que mal nos conhecem. "Tropeços quase em branco" já é do mundo! Parabéns.
ResponderExcluirDelalves Costa