Um vinte de setembro
“A autenticidade é a diferença entre os que são e os que tentam ser!”
Ângelo Franco
Enquanto o mundo gira, o Rio Grande pára (não me venham com a nova regra de português!) para homenagear os farroupilhas, um legado de ideais que nos foi deixado e temos preservado com muito gosto. As polêmicas de justa, rebelde, oportunista, ou quaisquer que sejam possíveis são controversas, uns de um lado, outros de outro, afinal, “toda unanimidade é burra” – Nelson Rodrigues...
Retrocedendo um pouco no tempo, lembro-me que num cinco de setembro, sofri um acidente e após uma cirurgia mal sucedida permaneci hospitalizado por 25 dias, tempo que entre tantas inquietudes, apreciei um desfile temático de Porto Alegre via TV a cabo. Uma valorosa idéia que contagiou o público em geral, uma manifestação cultural apreciável com o apoio do governo do Estado, onde em via pública milhares de cavalarianos cruzaram as avenidas da nossa capital, civismo puro, manifestação espontânea, de pessoas provenientes de todos os rincões do nosso estado.
Neste ano, já que o tempo e a situação nos permitiram, resolvemos beber um pouco da fonte das lagoas, nos Campos Neutrais, e se tocamos pra Santa Vitória do Palmar, extremo sul do Brasil, fronteira com o Uruguay. Uma visitinha no Chuy, um assado de tiras de primeira, umas comprinhas básicas nos Free Shops, bueníssimas e rasas de baratas, e chegamos ao destino. Rodeio, penha (tertúlia), amigos e o piquete Nativo Changadores da Fronteira.
Bueno, o nome changador, é em homenagem aos precursores do gaudério, que por sua vez é anterior ao gaúcho (parece tudo a mesma coisa, mas não é!), mas resumindo, a denominação era utilizada nos primórdios da civilização “gaucha”, na era do couro, aos que se ocupavam em matar animais alçados ou não, com sua lança característica em forma de meia lua, para desjarretear com habilidade o animal em movimento e de cima do cavalo.
Recordo-me de diversas oportunidades que participei da semana farroupilha até por outras entidades, mas foi debaixo dessa bandeira, que me encontrei de melhor grado. Com esses paisanos, muitas crianças, esposas, namoradas ou irmãs, reescrevemos passagens da história do Rio Grande do Sul, com autenticidade a cada desfile, bem de a cavalo ou de cima de carroções puxados por cavalos ou bois, de rodado de madeira, sem aperos de sola e laços de algodão, assim como era na era do couro e até hoje perdura nas estâncias da fronteira pelo menos. Lá em Santa Vitória do Palmar, o desfile foi temático desde que o primeiro pisou na faixa empunhando a centelha crioula meio século atrás. Cada piquete (e são 13), que originalmente representava uma região do município, filiado ao CTG Rodeio dos Palmares, e com galpão próprio dentro da sede campeira, participa do rodeio de provas campeiras e artísticas com seus peões e prendas designados, em busca de pontuação para somar-se ao desfile temático livre, culminando com um grande churrasco para seus participes, dentro dos galpões desse parque de eventos, para depois à noite, na sede social, ser proclamado o vencedor geral, com premiação instituída pelo CTG patrocinador, e sem incentivos maiores que talvez da prefeitura municipal.
Eu já presenciei diversos desfiles em outras cidades, ouvi falar de outros, mas nunca tinha assistido em Santa Vitória, sempre estive envolvido, e dos bastidores, de passagem a gente observava amigos e conhecidos de outros piquetes, também com o mesmo propósito de cultivar as nossas tradições. Mas, nos Changadores, recordo entre outros, um ano em que se tematizou os jogos característicos do gaúcho; jogo de truco, escova, taba, carreiras, e até uma rinha de galos em praça pública, jogou-se um pala no chão, algumas moedas antigas, fez-se o remate e largamos dois galos por cima, como num tambor de rinhedeiro, e que antes que se pegassem foram agarrados novamente, seguindo-se o desfile normalmente.
Este ano, pude ver da calçada, em meio à multidão de pessoas que ali estava, uma demonstração de doma em frente às bandeiras hasteadas e autoridades presentes no palanque oficial, a gurizada gaúcha, que antes de aprender a ler, já assina o nome num esbarrar de cavalo, levou uma tropilha de gateadas, crioulas de marca, soltas atrás da égua madrinha, ao longo de três quilômetros de aplausos pela avenida principal da cidade, colocaram-nas na forma no passo municipal, se embuçalou uma, encilhou, montou apadrinhado, deu o primeiro galope e puxou de cima pra que aprendesse a respeitar pela boca, como fizeram os índios na pampa quando se apegaram ao cavalo e, até os dias de hoje os brancos com algumas variações. O desfile foi tão emocionante que até os visitantes, subconscientes, saem comentando a quantidade de pronomes, cheio de pronomes, como no dialeto característico da região.
Quando inventaram os desfiles temáticos do governo do Estado, trouxeram carnavalescos do Rio de Janeiro pagando e bem para montar o evento, com carros alegóricos puxado a trator e em lombo de camionete, com bandeirolas, lantejoulas e o que mais couber neles; Se é pra mentir, “vamo mentir parelho”! Agora, se for para nos conhecermos, quem quiser, dirija-se ao sul pela BR 471 até perder a reta de vista, e siga mais um tanto até onde se fala diferente, lá não tem de se andar por riba da goma e, “quem sustenta suas razões sempre é bem vindo” (Aqui bem mais ao sul - CD Marca Fabiano Bacchieri 2004- C.Davesac/F.Bacchieri).
Christian Davesac
Rincão das Corticeiras, 22 de setembro de 2010
Santa Viti (para os íntimos)é mesmo diferenciada! Já andei por lá no 20/09 e só não volto todos os anos pq a reta é longa demais. Mas no verão sempre apareço na Barra (rival do Hermena). Pra falar comigo não tem esforço, pergunta pra qualquer parente (a Aline sabe) ou a noite vai na pizzaria Un lugar, acompanha num chivito e depois un helado conaprole. Pra mim Santa Viti não é melhor nem pior que outro lugar, mas é muito, maravilhosamente muito "diferenti"!!! Josi Borges
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