segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mais ao Sul por Christian Davesac

E tudo isso, os antigos sabiam só por observação

O que os gaúchos não sabem sobre cavalos, não encheria muitos livros” – Tropeando Pingos

Robert Cunninghame Graham (1852/1936)

Hoje, olhando o tempo lá fora, depois de se rebolcar de raio e trovão, babando água, branqueando as várzeas, acalmou. Ontem lá pelas 5 horas da tarde, o céu escureceu e virou noite, logo em seguida, uma chuva de pedra, e uma manga d’água, 1/3 do que prevê o mês em uma hora, e seguiu chovendo. Ainda bem que deixei o rebanho de ovelhas parindo encerrado no galpão, costume antigo de quem precavido, peleia com o tempo pra salvar uns bichinhos.

E sobre isso me propus escrever, sobre o que meu avô me contava e mostrava e, quem sabe o avô do meu avô também falava; Coisas de campo, que um campeiro sabe, sem saber nem porque sabe, só sabe que é assim. Mas bueno, esse tema sempre me acompanhou e inclusive no final da década de 90, compus com Joca Martins uma música sobre o tema (ingenuidade de principiante ou meus versos eram tão ruins que nem me lembro mais) que não vingou e se perdeu no tempo, e hoje mais esclarecido, talvez consiga contar direito o que penso ser de fato.

Muita gente do meio rural e da cultura gaucha, que acompanha expo-feiras e também as comemorações tradicionalistas, observa que expointer de Esteio e semana farroupilha sem chuva não existe. A estória conta, e eu que nunca fui chegado a santo, conferi com as datas, que nos fins do mês de agosto um temporal de grandes proporções se forma geralmente coincidindo com o dia de Santa Rosa (30), outro em setembro, próximo a comemoração de São Miguel (29), e posteriormente, encerrando o ciclo, no início de outubro (4), e como já dizia meu bisavô: “_Antes de São Francisco eu não tenho medo de seca”!, e, ainda, que depois de uma chuva feia, o tempo se compõe de fato quando entra um pôr de sol amarelado. Pois bem, essas datas, expointer de Esteio e semana farroupilha, também se aproximam dos santos já nominados.

Ainda pesquisando encontrei sobre o mais famoso, o temporal de Santa Rosa, que sua crença se deu por ocasião da eminente invasão da costa do Peru em 1615; diante do fato, as internas de um convento, se puseram a rezar onde se destacava, Izabel Flores de Oliva (30 de abril de 1586 / 24 de agosto de 1617), posteriormente beatificada com o nome de Santa Rosa de Lima, padroeira das Américas (e eu nem sabia!), que enquanto fazia suas orações, uma tormenta se aproximou da costa impedindo o desembarque dos invasores. O povo atribuiu a tormenta as suas orações e de acordo com alta incidência de tormentas na data de comemoração da santa, assim foi batizado o temporal de Santa Rosa, de grande popularidade na região do Prata. Estudos meteorológicos apontam que a tormenta de Santa Rosa nada mais é que a primeira tempestade que se costuma produzir nas latitudes médias no final do inverno, entre a última semana de agosto e a primeira de setembro. Com a proximidade do equinócio da primavera, a atmosfera começa a sofrer alterações nos movimentos de circulação do vento. O avanço de ar mais quente do norte, a crescente radiação solar e a entrada de perturbações atmosféricas a partir do sul e oeste tendem a favorecer a ocorrência de temporais no final do inverno, em datas próximas ao dia 30 de agosto. Estas perturbações estão associadas ainda ao ar muito frio que permanece no sul da América (metsul).

E isso tudo, os antigos sabiam só por observação!

Invariavelmente, com maior ou menor intensidade, dia mais, dia menos, alguma coisa acontece com o tempo nessa época, pelo menos aqui onde resido, no Rincão das Corticeiras, e também nos campos da fronteira sul, onde me criei.

E como escreveu Fernando Adauto (jornal SulRural, Tropeando, setembro de 2009), “Com certeza, previamente os pesquisadores conheceram a freqüência das enchentes de Santa Rosa em fins de Agosto e São Miguel no final de setembro. Antes do El Niño, da La Niña e do Cléo Kunh, estes santos eram famosos, tendo conquistado o prestígio por séculos”. Mas pelo visto, ainda não se deram conta disso, depois do Catarina, tudo virou ciclone extratropical, e aí mesmo que a nossa cultura vai sendo esquecida

Christian Davesac

Rincão das Corticeiras, 13 de setembro de 2010

2 comentários:

  1. Talvez tivéssemos muito mais acertadas previsões e explicações para os acontecimentos atuais se observássemos, antes das telas de nossas tvs e pcs, os ensinamentos que deixados pelos que nos precederam...
    E não falo só do tempo...

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  2. Os temporais de Santa Rosa e São Miguel são tão íntimos que nem nos pegam mais desprevinidos. Aliás, não tem como falar nos meses de agosto e setembro sem citá-los. Parabéns pela pesquisa. Já li sobre os temporais mas nunca com informações dessa qualidade.
    Josi Borges

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