quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Primavera

Há ¼ de século atrás, quando construí minha casa, meu projeto de vida era simplesmente terminar de criar minhas filhas, fortalecer-lhes as asas e mandá-las voar. Quanto a mim, era ficar em casa cozinhando, recebendo amigos, fincar raízes e deixar a “casa” como um ninho.

De pintassilgo, em que qualquer “cuco” pusesse seus ovos, que iria criá-los como meus. Cega para o tamanho dos ovos, amando um seres ali nascidos e, finalmente, ser carregada lomba acima e enterrada num cantinho onde alguém plantaria uma árvore e muito tempo depois diria:

- Hoje abriga passarinhos e borboletas como já abrigou filhas, genros e netos (netas).

Em vez de subir a ladeira carregada, desci, e me mudei para o andar de cima, numa nova residência, na qual tento criar um lar.

Deixei para trás mil bugigangas que, afinal, me fizeram feliz em determinado momento, mas que não me fazem mais falta.

Ops! Chega de carregar uma tralha velha.

Larguei o saco das preocupações na beira do caminho e segui uma nova trilha, que não sei onde me levará.

A única certeza que tenho é que, um dia, tornarei a subir a montanha e repousarei, numa cova pouco profunda, sobre a qual alguém, gente ou pássaro, largará uma semente qualquer, da qual brotará uma plantinha que atrairá pássaros, borboletas, abelhas, e me farão sentir-me viva, pois estarei novamente a alimentar as criaturas que Deus colocou na terra

Meu corpo será o adubo que fará novas vidas brotar.

Que bom que tive uma bela existência.

Não me lamentem quando eu partir.

Nunca estarei muito longe.

Estarei sempre perto dos corações daqueles que me amam, assim como aqueles a quem amo sempre estarão perto de mim.


A semente só volta a ser fruto se morrer. Enterrada, cria novas raízes, e rebrota.

Esta é minha filosofia: largar aquilo que pesa, recolher-me ao ninho da terra, deixar o tempo passar, o verão da maturidade, o inverno da decadência, adormecer na cama e, ou, no seio da terra, com a certeza de que, sempre, haverá uma nova primavera.


Solide Costa - 09/09/2010

Um comentário:

  1. Emocionou-me o texto Solide! Verdadeiro ... e um "verdadeiro" que não é para qualquer um expor. Tem que ser forte, guerreira e, sobretudo, inteligente e mais do que madura para escrever tais palavras. E te garanto, muitas primaveras ainda passarão e serás acompanhada por muita gente que te ama verdadeiramente. Bjs e feliz por teres te inserido no Insônias. Esse blog tem uma cara diferente ... é algo meio indescritível. Coisas de Cassia ...

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