quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mais ao Sul - por Christian Davesac

Foi dia desses
“Saudade das pessoas, antes da vaidade e da ambição às encontrarem”.
Marco Antônio Xirú Antunes

Ultimamente, entre a ausência do blog e imprevistos que a gente tem que lidar, estive pensando e refletido sobre modismos que há muito vem me incomodando, um deles é o tal “bullying”, não somente o fato em si, uma exacerbação de acontecimentos cotidianos que sempre houveram, a forma como está sendo tratada, mas principalmente a denominação; coisa de louco como se americanizam as coisas “como nunca antes na história desse País”; No meu tempo bullying era para os desavisados, quase tão somente um recipiente de se colocar chá ou café, ou o tal bule, e discriminação e preconceito, era o que é ainda hoje no bom português. Mas bueno, os tempos mudaram e tal, acho que só eu não mudei (ainda bem que sei que não) mas quero relatar que já fui motivo de discriminação ou bullying, e acho que não me afetou em nada, bem diferente da sensibilidade atual das pessoas, onde o carinha da novela das oito tem problemas psicológicos porque foi iniciado sexualmente no meretrício (imagina se fosse moda antigamente – tava todo mundo internado) ou com uma senhora de maior idade e de seios fartos, não prestei bem atenção (não valia a pena), mas é por aí...
Eu sempre tive uma ligação espontânea com a arte como já falei antes, já integrei grupos de danças e compus letras para festivais nativistas, e foi aí que me ocorreu. Era dezembro de um ano qualquer e estava ocorrendo um festival na minha cidade natal, Santa Vitória do Palmar, sempre me agradei da coisa, tocava meu violãozinho e tal, mas me faltava uma outra coisa, o tal do talento, e sem esse tal, fica bem difícil ser músico. O festival se realizava/realiza no ginásio de esportes municipal, onde as arquibancadas laterais, e cadeiras centrais ficavam lotadas, abaixo das arquibancadas numa lateral, os vestiários davam lugar a copa (perfeito) e do outro lado viravam camarins, a lateral dos camarins era fechada e só circulavam músicos com identificação, e eu, guri metido a criado mirava o festival da copa e ansiava um dia estar do outro lado, ou no palco (que já via que ia ser difícil) ou quem sabe da outra lateral.
Daí me veio a idéia de escrever meus primeiros versos, que fiz logo em seguida durante o verão. Um dia, às vésperas de uma viagem, entreguei os versos para um amigo que precocemente participava dos festivais na região, era compositor, violonista e mais freqüentemente cantor de boteco (sem depreciação). Quando retornei, dias mais tarde, reunidos os amigos para a janta semanal de segunda feira lá no bar do Campeão, ele não tocou no assunto e eu aguardei, depois de todos reunidos e a bóia pronta e servida, já com algumas geladas a mais, ele puxou o violão e resolveu mostrar algumas obras, entre elas, ou só elas, os tais versos que escrevi, só que os arranjos eram de deboche, e até então a minha identidade de compositor não havia sido revelada ao público, era coisa nossa, e depois disto, se foi tudo água abaixo. Obviamente a chacota da turma agora era eu, que simplesmente ignorava o assunto e seguia as minhas expectativas silenciosamente.
Duma outra feita, entre tantas, em outra junção dos mesmos amigos que virava e mexia o assunto era o mesmo das composições, depois de passados meses e infindas gozações, um outro amigo que possuía uma ascensão natural sobre a maioria, resolveu criticar a forma como tava sendo colocada a coisa, que já estava ficando chato e que podia estar castrando a minha espontaneidade e até quem sabe o meu suposto talento... Mas ficou por aí, eu na minha e o cantador na sua, sempre que podia ele tirava um sarro da minha cara, uns riam também, outros já haviam mudado de idéia, e pra mim pouco importava, seguia fazendo meus versos, só não mostrava pra ninguém, e até de vez em quando entrava na brincadeira dizendo que depois mandava outros pra ele musicar.
O tempo passou, novas amizades se consolidaram, tive a oportunidade de conhecer outros músicos que me emprestaram seu talento e com eles fizemos algumas composições e tudo andou naturalmente.
Alguns anos depois, me vi no mesmo festival de música, dessa vez tinham trocado a copa de lugar pra bem na frente do palco e atrás das cadeiras, a lateral àquela de onde eu assistia antigamente seguia cheia da mesma forma, até enxerguei nela alguns rapazes que tenho certeza, almejavam a mesma coisa que eu, estar do outro lado, nos camarins. Eu, no entanto, segui vendo o festival da copa - não me agradei dos camarins - embora estivesse com passe livre e tinha realizado meu pequeno sonho.
O cantautor, que segue sendo meu amigo e de vez em quando nos vimos, conversamos, e damos algumas gargalhadas juntos, segue tocando em barzinhos, compondo e participando de festivais aqui na região, eu enxerguei ele nas cadeiras nessa ocasião, aguardando o resultado de sua apresentação. Nesse instante percebi que tinha realizado o meu outro sonho, o de subir ao palco, nesse caso para receber as principais premiações do festival, melhor tema campeiro, melhor arranjo e primeiro lugar.
Hoje recebi com alegria a notícia, que estaremos novamente participando no mesmo festival, fim de semana de 19 de dezembro, durante as festividades dos 138 anos do município, eu, ele e diversos outros amigos que fiz e espero recebê-los em minha casa, lá bem depois de onde a vista alcança, onde se fala diferente, e nada melhor do que se terminar um ciclo por onde se iniciou. É a 13º edição da Jerra da Canção Nativa de Santa Vitória do Palmar, um festival comum, sem a pretensão de ser melhor ou diferente, mas de ter seu espaço, sua identidade e promover a região para a cultura peculiar, o turismo da rota dos faróis, das lagoas, das praias, da fronteira, dos free-shops, etc.
Ah... tá bem... e o tal bullying? Não sei onde andava, ouvi falar agora que podia ter comprometido a minha personalidade ou sei lá, criado um trauma e até ter acabado com minha vida. Eu não penso assim, mas respeito quem acha que só isso é motivo para tanta coisa, mas, eu acho que onde tem milho tem gordura e onde tem gordura tem mosca...
Christian Davesac,
Rincão das Corticeiras, 14 de dezembro de 2010

3 comentários:

  1. Muito interessante o teu post Christian. Eu ainda não tinha pensado nisto ... mas tb penso q é por aí. Na última Feira do Livro da qual participei, justamente um livro lançado sobre o assunto foi um dos mais vendidos. A mídia e as suas distorções acabam abalando a cabeça das pessoas. Eu penso q tb já devo ter sido vítima por inúmeras vezes na minha vida, mas nem por isso são tão "anormal" assim - rsrs. Abraços e continue escrevendo sempre no Insônias. Este espaço é, sem dúvida, um cantinho muito especial prá gente.

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  2. Retificando ... sou tão "anormal" assim ...

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  3. Conheço a história e seus personagens...eu entrei mais lá pro meio, e fico feliz de fazer parte dela. Grande abraço, feliz 2011 com paz, saúde, e que possamos dar continuidade à ela. Bejo.
    www.suldeborges.blogspot.com

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