quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um furto na Pinheiro Machado (por uma boa causa!)

Por Rosalva Rocha (rosalva.rocha10@gmail.com)

17/10/2009

Desde a infância sempre fui instigada a ler, especialmente por meu pai que, infelizmente, cursou somente até o 5º. ano primário e, por essa razão, buscava nos livros, jornais e nas famosas “Seleções” o campo aberto para novos saberes.

Desta forma, os livros passaram a ser muito importantes prá mim. Sempre os guardo com muito zelo.

Neles tudo me atrai – o seu formato, o seu cheiro - independentemente da sua origem ou significado.

Apoiando-me nesta afirmativa ouso confessar neste espaço um dos episódios mais feios da minha vida.

Pois bem, na Pinheiro Machado residia o Dr. Bonifácio, excelente médico e grande escritor. A sua casa era antiga e em poucas ocasiões tive oportunidade de adentrá-la. Lembro-me muito bem da sua família, todos muito inteligentes, hospitaleiros e simpáticos. Todos muito parecidos entre si ... os anos passaram e continuam assim.

Um parêntese para a Marcia Zebina, a filha mais nova, com idade próxima à minha - uma das mais lindas rainhas de carnaval que já vi. Arrebatou uma das noites com um macacão azul escuro totalmente bordado com lantejoulas pelas mãos de ouro da Natinha. A pele cor de jambo, a alegria e o samba no pé estremeceram o clube. Estava linda, diferente, glamourosa ... e simples como sempre.

Mas deixando o “parêntese-carnaval” de lado, depois da morte do Dr. Bonifácio, a sua esposa, Dona Luiza, mudou-se para uma casa nova, bem próxima, mais perto da fonte ... e a antiga casa ficou vazia.

Em uma das minhas caminhadas diárias, passando em frente à casa que já se encontrava abandonada, percebi que a porta da frente estava aberta. Decidi entrar para desvendar qualquer mistério que por lá ainda pairasse. Nada! até chegar em um cômodo dos fundos onde visualizei alguns pacotes com vários exemplares do livro escrito pelo Dr. Bonifácio intitulado “Tristuras e Anseios”. Mesmo contra tudo o que havia aprendido, “furtei” um exemplar “sorrateiramente” (mesmo tendo consciência de que o ato era por demais vergonhoso e jamais seria perdoado por meus pais). Não preciso falar que me deliciei com a leitura, mantive segredo absoluto e guardo o livro até hoje.

O lamentável segredo se manteve por longos e longos anos até que, no final de 2007, encontrando a Dona Luiza e o Nicanor, seu filho, em um evento em Santo Antônio para homenagear os autores patrulhenses, ousei confessar o acorrido e, para minha alegria, fui perdoada com dois largos sorrisos, complementados pela mão daquela terna senhora sob a minha com um olhar de bondade.

Confesso que até mesmo a vergonha do ato passou, pela certeza de que eles entenderam que o furto ocorrera por uma “boa causa”.

Algum tempo depois eu soube que a Dona Luiza havia falecido. Logo pensei que tudo, mas tudo na vida é muito providencial .... Eu estava perdoada! E mais: “Tristuras e Anseios” passaria a ter um significado ainda maior prá mim.

Um comentário:

  1. Querida Rosalva! que lindo o teu texto! embora eu seja suspeito para tecer comentários. Mas, além da menção à minha família, recorda o carnaval, a festa popular que mais aprecio e estou defitivamente afastado. Mas não faz mal... Quanto ao livro do meu pai, acho que não conheço na história "furto" mais louvável. Óbvio que todos os que solicitaram o livro, após a morte de meu pai, presenteamos, na medida do possível. Eu estava presente e vi o orgulho e a satisfação de minha mãe que, embora estudasse apenas o primário (como o senhor teu pai) sempre participou de tardes de autógrafos e acompanhou os filhos nos lançamentos. Ela demonstrava um prazer especial pela cultura e, podes ficar certa, aquilo foi um orgulho e um elogio para ela.
    Aquele abraço e beijos, do Nicanor.

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