quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Conto a quatro mãos - Capítulo 3

Capítulo 3 - Silvano

Parou desconfiado e então, estarrecido, quase como se levasse um susto, enxergou Manoel entrando pela porta.

O recém-chegado também se assustou ao vê-lo por ali e disse:

- Desculpe, ela me disse que você estaria trabalhando a esta hora...não queria importunar..

- Importunar? IMPORTUNAR? - ele bradou para o outro. A minha vida escorreu por entre meus dedos, perdeu-se no chão, caiu, quebrou e você ainda tem coragem de vir aqui e me dizer que não quer me importunar?

- Calma, eu nem devia ter vindo. Só vim porque ela pediu, estava com medo.

- Medo? Ela com medo?

- Certo, talvez um pouquinho de remorso também.

Ele roçou a mão direita no dedo vazio da aliança e lembrou-se dela. Onde está a aliança? - pensou. Correu os olhos pelo chão da sala e a avistou ali, perto do abajur, a assistir o duelo. Que ironia, aquele dourado objeto que testemunhara segundo a segundo a sua felicidade, agora assistia passivamente ao seu calvário. Pensou em juntá-la, mas desistiu. Fazer aquilo na presença de Manoel seria ainda mais humilhante. Voltou sua atenção ao visitante e lascou:

- O que você veio fazer aqui?

- Ela me pediu para pegar umas roupas, o notebook, uns troços dela.

Ele imaginou aquele estranho a tocar nas roupas de sua mulher, seus objetos, suas blusas, seus sutiãns, sua intimidade, enfim. E só de pensar nisso um frio lhe congelava a espinha e ele se via obrigado a silenciar, engolir sapos, jacarés e dinossauros de indignação. Deu um passo para trás e cedeu espaço a que o outro passasse. Passasse para dentro de seu quarto, dentro de sua vida, dentro de sua alma.

O barulho das gavetas se abrindo e fechando no quarto ao lado, as portas do armário em seu vaivém, eram estocadas cruéis que ele recebia em seu coração. Pensou que choraria de novo, mas, furioso, tratou de segurar as lágrimas.

Sem motivo aparente, seu olhar correu os móveis da sala e parou na gavetinha central. Foi até ali e abrindo a pequena gaveta, pegou o revólver carregado. O peso da arma o assustou.

Neste momento Manoel retornou à sala e deu um grito :

- O que é isso? CALMA!!

- Não é o que você está pensando. Este revólver era do pai dela. Pode levar.

Manoel, ainda assustado, pegou a arma e, trêmulo, a guardou dentro da mala que agora carregava.

Começou a chover lá fora. Além de ser segunda-feira, de estar ali com aquele cara e de estar vendo sua vida indo pelo ralo, ele ainda teria que enfrentar a chuva do início de semana. E a essas todas, a aliança parece que ria dele, jogada ali, naquele canto da sala.

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