domingo, 15 de novembro de 2009

Memórias da Pinheiro por Rosalva Rocha

Alguém já ouviu falar em algum comércio na Pinheiro Machado?

Não? Pois teve sim!
Lá pelo início da década de 70 eu, dotada de uma grande fonte inspiradora, resolvi colocar uma banquinha em frente à nossa casa velha para vender milho.
Sim, os tais milhos que vinham do nada, pois nunca vi alguém plantá-los no terreno da nossa casa. Inspirei-me no meu pai que sempre foi um excelente comerciante. Começou no balcão da Casa Verde - chamada, na época, de Casa do Seu Vitinho -, posteriormente passou a Caixeiro Viajante da Chaves & Almeida, uma grande fábrica/distribuidora de tecidos em Porto Alegre, mais tarde trabalhou como representante do Atacado Sbardelotto da mesma família da revenda de automóveis atualmente e, por fim, adquiriu uma tipografia, que ficava em frente à praça da Cidade Alta.
Como sabemos que toda venda é um processo dinâmico, infelizmente, apesar das minhas inúmeras tentativas, a minha nunca foi. Não passava de projetos semanais e, na grande maioria das vezes, mensais, dependendo da safra do milho.
Não me lembro o valor que os milhos eram vendidos, mas o resultado era suficiente para eu sair correndo e encher as mãos de balas de goma compradas no comércio do Canela (que ficava no prédio do Dr. Alvarez, na Marechal Floriano).
Mas deixando os milhos de lado, vamos falar um pouco dos meus tios, até porque foi um deles que simplesmente “destruiu” o meu sonho de aprender a comercializar, a tal ponto de não ter aptidão até hoje.
A vida me presenteou com tios maravilhosos (especialmente os do lado da minha mãe, com quem tive maior convivência).
Citando-os:
Tio Alzemiro Garcia – um tio que, apesar de surdo, grita comigo constantemente dizendo que eu falo alto demais e ainda me trata como se eu tivesse 15 anos, falando em alto e bom tom que eu “mais pareço uma menina” (pode?).
Tio Renato Lopes – esse acompanha atualmente a minha vida em todos os aspectos e “quando eu crescer quero ficar igualzinha a ele”. Foi um dos melhores resgates da minha vida nos últimos tempos.
Tio Nilo Linde – já falecido, sempre turrão, mas um dos braços mais firmes que apoiou a nossa família em momentos de dor. Demonstrava o seu carinho vez ou outra plantando um vasinho de flores prá mim. E elas sempre vingavam.
Tio João Pedro da Conceição (Tio Pê) – “o causador da desgraça”. Esse tio, também falecido, foi uma das melhores pessoas com quem convivi (senão a melhor). Bondoso, alegre, brincalhão e comilão voraz (apesar do diabetes). Fazia a vida girar muito mais colorida quando estava com a gente. Apesar de ter sido o “causador da desgraça”, sinto uma falta imensa dele até hoje. Era um grande amigo.
Tio Carlos Sillero – educado, inteligente, me levava para a beira do mar com forminhas de peixinhos para colocarmos areia e formarmos lindos moldes intercalados. Penso que foi por aí que as artes plásticas despertaram a vida dele. Eu adorava acompanhá-lo nas exposições de suas obras em Porto Alegre. Sentia um orgulho imenso. Pena que não participei dos últimos anos da sua vida.
Tio Paulo Oliveira – baixinho e gritão. É o tio que dá o abraço mais apertado e ainda belisca a minha bochecha como se eu fosse uma criança. Pena que o vejo tão pouco.
Pois bem, o que acontecia com o meu pequeno comércio? O Tio Pê, na época, tinha uma casa de veraneio no Monjolo e passava pela nossa casa quase todas as semanas (lembro-me que ele dirigia-se direto para a cozinha para cheirar a comida da minha mãe). Agora analisando o fato, penso que ele ficava com pena da humilde comerciante e “arrematava todos os meus milhos”, sem qualquer dó, ao preço que ele queria, a ponto de eu poder, em muitas ocasiões, visitar o Canela por vários dias. Alegava que levaria os milhos para o Monjolo para a Tia Gladis cozinhá-los (independentemente da quantidade).
E foi esse homem maravilhoso e sensível que acabava sempre com o meu sonho, pois o comércio era desfeito subitamente por falta de mercadoria. O processo que deveria haver passava a um simples projeto.
Hoje eu consigo entendê-lo: ele sempre trabalhou com processos (era advogado), mas de processo comercial não sabia nada e, como sempre, agia com o coração.
Obrigada Tio Pê! O senhor me tirou uma aptidão que eu poderia ter adquirido na Pinheiro Machado, mas, por outro lado, sempre encheu a minha vida de alegrias e carinho, bem como a Pinheiro Machado, aonde muitos amigos o senhor granjeou.
O senhor também fez parte dela.

- Rosalva -
14/11/2009

Um comentário:

  1. Coincidências não existem por acaso. O blog da Rosalva foi escrito no dia 14, um dia sempre especial para o "Tio Pê", o dia que ele levava flores para a sua amada. Isto foi para provar que o espírito dele ainda está com a gente...dia 17 é o aniversário de sua passagem (para a outra vida). Só para adicionar...realmente ele não tinha tino para comércio apesar de dizerem que estava no sangue. O "negócio" dele era espalhar carinho e deixar marcas que transpassam décadas. Quando é que foi que ele causou a desgraça? ...anos 70. Ainda se fala da desgraça, mas agora para reviver as nossas memórias dos bons tempos na Pinheiro Machado.

    Estou lendo o livro "The Three "Only" Things: Tapping the power of dreams, coincidence and imagination" de Robert Moss (2007). Este livro me inspirou para participar no blog. Espero que as palavras da Rosalva inspire outros também.

    Simone, uma das filhas do "Tio Pê"
    Milwaukee, Wisconsin, EUA

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